domingo, 14 de maio de 2017

37 semanas de desespero...

Não acreditamos quando nos dizem que uma gravidez não é igual a outra, achamos sempre que estar grávida é sempre igual, é só carregar o mundo na barriga, enjoar de vez em quando, por vezes uma fome descomunal, mas no fundo uma maravilha. Não posso negar que gosto de estar grávida, faz-me sentir mais bonita, mais mulher. Mas hoje sei que cada gravidez é completamente diferente, porque pensando bem, os anos passam, nós crescemos, e a maneira de nos vermos em determinadas situações é totalmente diferente. Quando estive grávida do Francisco não tenho um único defeito a apontar, senti-me sempre bem, enjoei algumas vezes mas nada de mais, à excepção do calor que senti durante quatro dias e nem dormi, mas isso, foi o menor dos problemas. Na gravidez do Salvador, bem, senti alguns enjoos também, apetite a toda a hora, passei o Verão inteirinho, e posso dizer que nisso sofri bastante, mas há algo que foi diferente, eu!

Descobri cedo que estava grávida. No dia 10 de Março de 2016 tive uma simples consulta de rotina no centro de saúde, e lembro-me que nesses últimos dias andava a sentir-me um pouco estranha, algumas dores de barriga, mais sono do que o normal, mas como na altura andava no ginásio, sempre pensei que era algum cansaço misturado com os exercícios. Sempre fui muito desregular na menstruação, por isso nunca pude me guiar por aí. Queria muito engravidar, e quando em Outubro de 2015 me deram finalmente autorização para poder avançar tentei sempre, mas como todas as mulheres que tentam e sem sucesso, em Janeiro de 2016 disse a mim mesma que não tentava mais, tinha passado pouco tempo, é verdade, mas na minha cabeça já começava a achar que se não tinha acontecido ainda, era porque nunca mais iria ser mãe (que parva, eu sei!) Então expus à enfermeira as minhas dores, e a forma como se sentia diferente, e obviamente que mandou de imediato fazer um teste de gravidez, ainda me lembro na altura de lhe dizer que não queria porque só eu sei como me sentia quando via um negativo. Escusado será dizer que o teste deu mesmo positivo, e é impossivel para mim conseguir escrever aquilo que eu senti, não consigo mesmo, tão mas tão feliz, dentro de mim finalmente cresceria a promessa que eu tinha deixado à dois anos trás, um irmão para o Francisco! Só me apetece neste momento escrever umas vinte frases a dizer que fiquei muito muito muito feliz. Saí do centro de saúde e liguei logo ao Fábio, preciso de dizer o quão feliz ele ficou também? Acho que é óbvio. Liguei à minha mãe, contei ao meu irmão, e poucas mais pessoas. Ao longo do dia, e quando a notícia começou por se interiorizar, não pude evitar que o medo voltasse, e desse lugar a algumas dúvidas. Não contei a muita gente, não expus, e foi aí que deixei de escrever por completo. Por medo, medo de expor, medo de errar, medo de falhar, medo de voltar a passar por tudo outra vez... 
O tempo foi passando, as consultas eram muitas, e fui encaminhada para a maternidade Júlio Dinis ainda estava pouco mais de dois meses de gestação. Um pouco reticente na altura, mas fui, sabendo que iria passar o resto da gravidez a viajar para o Porto, para inúmeras consultas, e depois quando fosse o parto? E se tivesse de ir de urgência? Porto não é assim tão longe, mas em hora de ponta, ainda nascia na ambulância. Sim, fui muito paranóica, mas acho que é aceitável. A primeira consulta com o Dr. Jorge Braga foi super calma, com pedido de eco e alguns exames, mas sempre muito calmo, por todos os médicos que passei (e acreditem que corri alguns) tentaram todos transmitirem-me um pouco de calma. Sem sucesso.
Às doze semanas fiz a primeira ecografia (acabei por fazer mais umas três ou quatro, por opção minha, mas pronto), e estava tudo bem, o bebé todo formado, pronto a passar ali mais uns bons seis meses a desenvolver saudavelmente. Não fui imune a toxoplasmose, mas não esperava eu outra coisa. Fiquei com baixa de gravidez de alto risco, e ainda ouvi de um médico que a minha gravidez de risco não tinha nada, e eu é que não queria trabalhar, bem, conseguiu deitar-me abaixo por completo, mas depois de lhe apresentar todo o meu processo antecedente a esta gravidez, o desfecho é óbvio e não voltei lá mais. A partir das vinte semanas apenas fui seguida na maternidade, porque começou por ser cansativo ir a vários médios (porque eu queria várias opiniões) e ouvir sempre versões diferentes, então achei certo jogar pelo seguro, e ir apenas onde me davam mais segurança. E foi nessa altura que descobri, que mais uma vez, fui abençoada pela cegonha por mais um menino, querem que volte a dizer que fiquei muito muito muito feliz? Não que eu tivesse preferência, mas acho que o meu coração estava a precisar de um menino, a minha necessidade sempre me chamou para o menino.
Umas semanas mais à frente acabei por ganhar coragem, e pela primeira vez abri as malas que eram do Francisco. Recordei peça a peça, momento a momento e chorei muito, A partir dessa altura acho que a felicidade deu lugar ao medo e à ansiedade, e nunca mais se foram embora. Não substitui as roupinhas, mesmo as peças que estavam bordadas com o nome Francisco ficaram para o irmão. 
A decisão do nome não foi dificil, era impensável colocar o mesmo, não vinha ninguém para substituir, cada pessoa é uma pessoa e este bebé era outro bebé, o meu segundo filho. Na altura lembro-me de falar com o Fábio e dizer que gostava de Santiago, mas na altura alguns bebés tinham nascido e já tinha ouvido várias vezes esse nome, então sugeri Salvador, por não ser vulgar, e por ser um nome tão forte. No fundo ele vinha para nos salvar não era? O Fábio ainda ficou um pouco reticente, mas aceitou, e agora, esperávamos ansiosamente pelo Salvador. 
A gestação foi passando, o verão veio forte, fiz o meu exame de condução grávida de quase seis meses, chegou setembro e os oito meses. Os médicos diziam-me que era muito provável o Salvador nascer às 37 semanas para não correr riscos. Bem, riscos? O que queriam eles dizer com riscos? O meu bebé estava em risco? Em cada consulta, principalmente em cada ecografia o meu coração parava com tanto medo. Eu tinha medo de tudo o que vinha do outro lado, tinha medo das respostas, tinha medo de tudo o que eles me pudessem dizer. Houve uma ecografia que tive de repetir porque tinham descoberto alguma coisa na placenta, eu já me andava a preparar psicologicamente para tudo, comecei a achar que iria passar por tudo outra vez, e a minha vida estava prestes a acabar. 
Outubro chegou, e as 36 semanas também. O dia do parto ainda não estava marcado e eu só pedia ao médico para se apressar porque eu não aguentava mais. Adorava estar grávida, mas saber que poderia passar outra vez pelo inferno estava a matar-me por dentro. 
Foi numa segunda feira, 24 de Outubro de 2016 que fiquei com o coração nas mãos. Numa simples consulta de rotina, já nas 37 semanas, que o Salvador alarmou toda a gente. Como sempre estava a fazer o CTG (para quem não sabe são as cintas que se colocam em volta da barriga para se controlar a frequência cardíaca do bebé, e as contracções) e as enfermeiras chamaram o meu médico e o pânico instalou-se. Acreditavam que o Salvador estava com uma arritmia cardíaca e mandaram-me de imediato para as urgências. Fiquei horas à esperas, fiz CTG vezes sem conta, e eu cada vez mais a morrer por dentro. Só dizia para mim mesma que a hora tinha chegado e o meu mundo iria acabar. Após a consulta na urgência e de me dizerem que sim, o salvador estava mesmo com uma arritmia mandaram-me estar lá no dia seguinte as oito da manhã, para ficar internada porque me iriam induzir o parto, o Salvador TINHA de nascer!
Passei essa tarde sozinha, precisava de descansar, mas essencialmente de pensar. Eu tinha de estar preparada para tudo, tinha de ser forte e tinha de lutar até ao fim, ganhei forças e disse para mim mesma que não ia perder outro filho, não ia, eu ia lutar por ele até não ter mais forças. 
No dia 25 de Outubro as 8 horas em ponto, já me encontrava nas urgências da maternidade, de malas na mão, papéis preenchidos e pronta para ser internada. O Fábio esteve sempre do meu lado, e as 9 induziram-me o parto, a partir dali era esperar que fizesse a dilatação, que as contracções ficassem cada vez mais fortes, e só nos restou esperar, horas, que para mim foram as mais longas da minha vida. Caminhei muito por aqueles corredores, ouvi muitos bebés nascer, sempre muito ansiosa, sempre lado a lado com o Fábio. Eram dezassete horas quando já não aguentava mais com as dores e me rebentaram a bolsa, e agora? Continuava a restar-me esperar. Às vinte e uma fui para a sala de partos, levei epidural, e esperei que a mãe natureza fizesse o seu trabalho. Ainda dormi, o Fábio também, sentado no cadeirão ao lado, estávamos de rastos, cansados. Era uma e meia da manhã quando chamei uma enfermeira e disse que estava com dores, fortes, fui examinada e só consegui ouvir ela dizer bem alto para uma equipa que "estava na hora". Após dezassete horas, cinco parteiras, dois médicos, forceps e alguns cortes depois ouvi um choro tão mas tão reconfortante que ainda hoje me caem as lágrimas só de lembrar. Ele estava ali, ele nasceu, cheio de vida, de olhos bem abertos, a chorar muito, como eu sempre pedi, sem arritmias, apenas vivo.





26 de Outubro de 2016 

Beijinhos
Carla Salgado



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