quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Abençoados...

 …sejamos por tão afortunados sermos. Por abrirmos os olhos, por respirar, por sermos livres e ter o poder de amar e ser amados. Tristes daqueles que vivem presos na imensidão do escuro, que não viram a luz do dia, que não viram o brilho dos sorrisos que iriam provocar. Gratidão por viver, por dar vida, por ser feliz. 

Torna-se ínfimo protestar contra tanta coisa na nossa vida. Ora acordamos cedo para ir trabalhar, o nosso filho chora toda a noite não me deixa descansar, o meu filho quer brincar a toda a hora, o meu filho faz birras, trabalho e nunca tenho dinheiro, o meu companheiro não me dá atenção nem valor, o gasóleo está caro, as coisas estão cada vez mais caras, o covid não nos deixa aproveitar nada, quero sair à noite mas tenho filhos, estou farta desta vida monótona, estou farta de ter contas para pagar, estou farta… Quantas desculpas destas usamos todos os dias? Quantas vezes reclamamos da nossa vida? Quantas vezes invejamos a vida do outro? Quantas vezes? Tantas. Muitas. Sempre. A toda a hora. E porquê? Para quê? 

Esquecemo-nos do quão sortudos somos por acordarmos, por respirarmos e por sermos livres. 

Tornou-se então numa complexidade de palavras usadas para dizer o óbvio.

E então, como é a vida da mãe que perde um filho? Quais são as desculpas que se usa para reclamar de tudo?

Torna-se num colo vazio, numa ausência de choro, numa ânsia de brinquedos espalhados pela casa, de uma parede demasiado branca, de noites serenas, de silêncio à mesa, falta de conversas com as amigas que já são mães, uma tristeza escondida, uma lágrima presa, um choro contido, um coração despedaçado, uma escuridão tremenda e uma capa protectora. 

Engana-se quem pensa que os sorrisos transparecem tudo aquilo que sentimos. Quantos sorrisos escondem lágrimas? Quantas gargalhadas omitem o som do choro compulsivo? Quantos silêncios são assombrados pelo barulho dos pensamentos?

Eu digo-vos…

Acordar num dia após perder um filho, é acordar numa realidade paralela aquela que nos habituamos a viver. É perceber que podemos planear tudo ao pormenor, que nenhum detalhe vai ser tão importante como o da presença. 

Mas acordar um dia após ter um outro filho, é acreditar que o arco íris nasce para nos fazer crer que vai ficar tudo bem. Que o colo vazio não pode ser ocupado por outra criança, mas preenchido num outro lugar. Que o coração despedaçado em mil pedaços, recompõe-se mas continua cicatrizado, com aquela cicatriz bem visível por trás de um sorriso capaz de contagiar. É sobretudo acreditar que um pequeno ser gerado por nós, tão pequeno e indefeso vem justamente a este mundo para nos dar luz no meio da escuridão em que nos fechamos. A luz, o brilho, o novo dia, a nova vida, a nova razão para acordar cedo e batalhar, ele veio nos salvar, o nosso Salvador.

E aqui estou, sete anos depois… Com o coração cicatrizado, curado com um novo amor, a ansiar sempre que tivesse acordado de um pesadelo. Mas é a realidade, a minha realidade. E tão abençoada sou por hoje o ter, nos meus braços, no meu colo, no meu coração, na minha vida. Afortunada de mim, que tenho a bênção de o ver crescer, saudável. 

Só tenho motivos para agradecer, mesmo que a vida me tenha ensinado o contrário. Gratidão por viver e dar vida. Apenas isso…

E hoje, o destino assim o quis que eu estivesse ali, a ouvir palavras que me foram tão familiares, a ver o sofrimento noutros olhos, a fazer me perceber do quão grata tenho de ser!


Ele nasceu de mim, e eu renasci com ele…





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